Este texto pretende realizar uma reflexão acerca do processo de elaboração de luto infantil, em como os familiares e o laço social da criança lidam com situações onde a morte se faz presente, principalmente em um contexto onde muito se ouviu falar em morte e adoecimento por um vírus potencialmente mortal, causando nos indivíduos o medo e a angústia coletiva.
“Decifra-me ou te devoro”, expressão enigmática usada pela Esfinge à Édipo, na tragédia de Sófocles Édipo Rei, que muito se assemelha ao vírus dizendo ao ser humano estupefato.
Frente ao contexto, é necessário tecer uma teia de ficções e significantes para a nossa vivência na expectativa de sobreviver psiquicamente e não morrer para a vida em si. Portanto, utilizando desta ficção e recursos sutis de uma linguagem metafórica que possibilitam os adultos a conversarem com as crianças, a morte é anunciada de forma a auxiliá-la no processo de elaboração do luto que está intrinsicamente ligada à reestruturação de seu ego.
Com efeito, a fantasia é uma ferramenta utilizada que possibilita a compreensão de uma maneira menos penosa, pois oferece esforços e meios para a criança fantasiar sobre a morte, criando soluções alternativas que funcionam como um mecanismo de reinvestimento libidinal. (Gutfreind, 2003)
O processo criativo da infância e o ato dos adultos poderem contar histórias aos filhos e netos, proporciona maior laço afetivo na qual cria-se um espaço onde todos os sentimentos são compartilhados e vividos, e é neste ato que acontece a fantasia da criança ao ouvir histórias de superações de heróis e atitudes dos personagens passando por seus sofrimentos, perdas e obstáculos, e como este personagem conseguiu superar, causando um sentimento positivo no imaginário infantil. Gradativamente, os conflitos conscientes e inconscientes serão externalizados de forma a fornecer uma resolução, uma ressignificação que traga alívio à angustia vivida. Principalmente para a criança que acredita que a causa da morte foi por punição por seu comportamento.
É importante se atentar para o fato de que a elaboração do processo de luto não acontece de forma linear e igual para todos seja de qualquer idade. A experiência da perda e a recuperação do objeto de amor que se foi, faz com que o ego realize um complexo trabalho de adaptação da nova realidade, possibilitando-o a enfrentar angústias, ansiedades, tristezas e todos aqueles sentimentos e pensamentos desconfortáveis que cercam o sujeito.
“Além de encarar esta nova realidade e lidar com todo o sofrimento que ela traz, o sujeito busca se reorganizar com o objetivo de se reestruturar e aprender a lidar com a nova realidade que o cerca.” (Freud, 1917/1974)
Oliveira (2006) ressalta que os contos de fadas permitem ao ser humano a explorar o inconsciente e os horizontes que são fornecidos pelo imaginário. O conto possui relevância na formação da personalidade humana, pois permite que o sujeito crie mecanismos que movimentam o raciocínio infantil e a vida de fantasia, conferindo-lhes possibilidades para quando o adulto for lidar com a vida real, assim possa conviver com as inseguranças e limitações presentes no mundo.
Mesmo o adulto contando histórias, metáforas e preenchendo o imaginário infantil repleto fantasias e superações, não significa que a criança se desfaça facilmente da perda de um ente querido. Como também não significa que não houve entendimento do que é a morte. Porém, apesar desta, memórias serão ativadas por diferentes estímulos ao longo de sua vida.
De acordo com Carneiro & Silva (2012):
“Para uma criança, receber a notícia da morte de um animal ou parente, de certa forma contribui para seu crescimento emocional e psíquico - desde que a ocorrência seja notificada com cuidados e com o devido apoio familiar. São os ritos de passagem que em Antropologia apontam que precisamos passar por dificuldades para que, posteriormente, sintamos segurança e firmeza em relação a vida que levaremos.”
De certa forma, aprendemos a lidar com situações-limite. Situação do enfrentamento à pandemia, as perdas e novas adaptações do modo de viver.
E que os adultos também possam ainda se permitir a entrar neste mundo de fantasia, pois assim como acontece com as crianças, a eles são permitidos a enxergar que as metáforas ilustram diferentes modos de pensar e ver a realidade. Quanto mais variado e extraordinário for o conto, mais se ampliará a gama de possibilidades para os problemas que os afligem.
Sugestões de livros sobre luto infantil:
- O Passeio – Pablo Lugones;
Sinopse: “O empurrãozinho de um pai faz uma menina superar o medo de andar de bicicleta sem rodinhas, e dá início a um passeio singular. Durante um longo trajeto, a filha revela as sensações e emoções que vive em cada momento na companhia de seu pai, e estas a fazem perceber como de uma hora para outra tudo pode mudar.”
- O livro do adeus – Todd Parr;
Sinopse: “Compreender a morte como um processo natural e aceitá-la de forma serena é uma tarefa difícil até para gente grande. Imagina para a criança que, de uma hora para outra, se vê obrigada a dizer adeus a um bichinho de estimação ou a um membro da família? A fim de descomplicar essa delicada situação, o renomado autor e ilustrador norte-americano Todd Parr criou O livro do adeus. Com seus coloridos desenhos, a obra traz uma comovente e esperançosa história sobre dizer adeus a alguém que a gente ama. O autor, conhecido por abordar de forma simples e educativa questões que povoam a imaginação e as dúvidas dos pequenos, garante que este foi o livro mais difícil que já escreveu.”
- Vazio – Anna Llenas;
Sinopse: “A vida é cheia de encontros. E também de perdas. Às vezes, a gente perde coisas insignificantes: um lápis ou um objeto qualquer. Mas podemos perder coisas bem mais valiosas, como a saúde ou uma pessoa querida. Vazio conta a história de uma menina que consegue superar essa tristeza, dando um novo sentido às suas perdas.”
- É Assim – Paloma Valdivia;
Sinopse: “De onde viemos e para onde vamos? Se desconhecemos o ponto de partida e de chegada, se nascer e morrer são apenas instantes, o que importa é desfrutar o presente e a companhia dos outros, saboreá-los o máximo possível, com leveza e alegria. Partindo da ideia de que as coisas têm dois lados, de que nem tudo é totalmente bom ou mau, e movida pelas perguntas difíceis sobre a vida, Paloma Valdivia cria histórias, orientadas antes de tudo pela emoção e pelo traço sensível”
- Harvey: como me tornei invisível - Hervé Bouchard;
Sinopse: “Harvey vê sua vida virar de cabeça para baixo quando toma conhecimento da morte do pai. Invadido por um sentimento desconhecido e desolador, Harvey tenta proteger-se da dor, refugiando-se em seu rico mundo de fantasia. Uma sensível e realista narrativa sobre a perda de um ente querido e a necessidade de encontrar recursos pessoais para superar a dor do luto.”
- Pode chorar, coração, mas fique inteiro – Glenn Ringtved;
Sinopse: “Não tem jeito: a morte sempre aparece, não importa o quanto a gente tente evitar. Mas, se os dias de sol são especialmente divertidos porque sabemos que os dias de chuva virão, talvez a relação entre a vida e a morte também seja assim. É o que as quatro crianças deste livro vão descobrir quando a Morte aparece na casa da avó delas. E essa figura tão assustadora se mostra uma gentil admiradora da vida, mostrando às crianças ― e a todos os leitores ― a importância e a beleza de conseguirmos nos despedir de quem amamos na hora que ela chegar.”
Larissa Urbano de Carvalho - CRP: 05/53753
Referências
Gutfreind, C. (2003). Terapeuta e o Lobo. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Freud, S. (1917/1974). Luto e melancolia. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 14, pp. 275-291). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1917).
Oliveira, M. E. N. de. (2006). A contribuição dos contos de fadas na formação humana. Educação Pedagógica, Ano 4. n. 12, v. 2: 17- 21, out-dez/2006. Disponível em:<http://www.ie.ufmt.br/semiedu2009/gts/gt17/Poster/MARIA%20ELIZABETE%20NASCIMENTO%20DE%20OLIVEIRA.pdf>. Acesso em: 05/08/2021.
Bettelheim, B. (1980). A psicanálise dos contos de fadas. (Trad. Arlene Caetano) 11ed. São Paulo: Paz e Terra, 1980.
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